27 dezembro 2012

Sala de aula: A valorização da identidade por um currículo mais humano

Os currículos acumulam muitos saberes, mas sabem pouco dos adultos que os ensinam e menos ainda das crianças, adolescentes e jovens que os aprendem. O curioso é que tanto os mestres quanto os educandos têm propiciado um acúmulo riquíssimo de vivências e de estudos, de conhecimentos, teses, narrativas e histórias do magistério, da infância, da adolescência e da juventude. Sujeitos de história, mas sem direito de conhecer sua história. (ARROYO, p. 71)

Um dos materiais que está incorporado ao currículo da prefeitura de São Paulo é o Caderno de apoio e aprendizagem, que, como o próprio nome já sugere, serve de apoio para o professor em suas aulas. Apesar de este material ter sido elaborado pelos próprios professores da rede - que convivem dia-a-dia com a realidade da sala de aula -, algumas de suas atividades acabam não considerando as vivências e interesses do próprio educando, já que é bastante genérico e cada turma possui uma necessidade, uma história, uma cultura diferente.


Vídeo que gravei apresentando o Livro de memórias

Ao longo de 2012, então, desenvolvi com a minha turma dois projetos que visavam trabalhar com a identidade de cada educando e com a da nossa própria sala de aula, envolvendo as áreas de matemática, língua portuguesa, natureza e sociedade e artes.

O primeiro, intitulado Livro de Identidade, foi um material que cada criança confeccionou com o objetivo de estudar e conhecer a sua própria história, a sua própria identidade. Sempre uma aula antecedia o registro de cada página do livro, assim como pesquisas com os familiares - afinal o importante de todo esse projeto era o processo, e não o produto final em si.

Os alunos fizeram autorretratos, preencheram fichas com os seus dados pessoais, conversamos a respeito da história do nome de cada um, de como os documentos podem contar uma história de vida, expomos fotos de quando eram bebês, escreveram e desenharam a respeito de seus gostos (alimentos, brincadeiras, lugares favoritos do bairro), contaram a respeito de suas moradias, de quem morava com eles, dos seus melhores amigos, etc.



Livros de identidade, algumas de suas páginas e apresentação para a turma

Todas essas informações eram compartilhadas com os colegas, assim como as minhas próprias - levei meus documentos, meu brinquedo de infância favorito, contava a respeito da minha história, dos meus gostos, enfim...

O segundo material, um fichário que chamamos de Livro de Memórias, nasceu da necessidade de armazenarmos todas as imagens que trabalhamos em roda de conversa e os textos que produzimos coletivamente. Logo fomos incluindo resumos mensais (dos acontecimentos, eventos e atividades que realizamos em sala), fotos com suas respectivas legendas, cartas e bilhetes que recebemos, listas de livros que lemos, registros por meio de desenhos sobre o nosso dia-a-dia, entre outros. Durante as nossas aulas, este livro ficava disponível no nosso cantinho de leitura para que as crianças manuseassem e relembrassem todo o nosso percurso.


Livro de memórias e uma das crianças manuzeando

A realização de ambos os projetos foi bastante significativa, mas não somente para os meus alunos: foi bastante significativa pra mim também. Graças a eles, além de registrarmos a nossa própria história, pudemos nos conhecer melhor, nos aproximarmos mais, e nos valorizarmos também: crianças que no primeiro semestre eram bastante tímidas, tinham vergonha de se expor, ao longo dos projetos desenvolveram mais segurança ao contarem as suas e nossas histórias.

Acredito que nós, professores, não devemos simplesmente nos reduzir aos materiais, aos conteúdos, que nos oferecem: precisamos adaptá-los de acordo com as nossas necessidades e interesses, sem deixar de considerar as histórias que circulam em sala de aula. Histórias essas que devemos estudar e continuar construindo. Histórias que devemos valorizar para que nosso currículo se torne, sobretudo, mais humano.

Referência
ARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. Petrópolis: Vozes.

Um comentário:

  1. ótima iniciativa.

    Sair da zona de conforto e do material repetido do ano passado é que fomenta a evolução dos professores.

    Consequentemente os alunos são os mais beneficiados.
    Pena que na minha época era só a dupla quadro negro-giz

    ResponderExcluir